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A professora de português que vive há cinco meses em um aeroporto


A história de Oceya de Souza, 55, é apenas mais uma daquelas trajetórias tristes, escritas de forma certa, só que por linhas tortas. Resta saber se essas mal traçadas linhas foram grafadas por ela ou tiveram a contribuição direta de outras pessoas, como ela mesma denuncia. O fato é que Oceya, formada em letras pela Ucsal (Universidade Católica do Salvador), professora de língua portuguesa no colégio estadual Thales de Azevedo, vive uma situação surreal: dorme dentro de um aeroporto.

Apesar de sua condição difícil, tudo que Oceya diz faz sentido, tem lastro. Em duas horas de conversa, além das centenas de mensagens trocadas por aplicativo, ela demonstrou ter muito mais do que uma fala sem erros de concordância e escrita impecável. Oceya é uma mulher letrada e lúcida, e os fatos narrados por ela não parecem fruto de fantasia.

Ela tem passado todas as noites (e boa parte dos dias) se contorcendo sobre as cadeiras azuis do aeroporto internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Salvador — assentos esses tão rígidos quanto regras de acentuação. De dia, fica sentada com a cabeça apoiada nos próprios pertences, contidos dentro de uma sacola plástica, uma bolsa e a manta que usa para se cobrir. À noite, ajeita-se entre os apoios de braço aproveitando o restinho de assento que esse apoio não alcança. Não é permitido ficar no chão, mas, quando o frio do ar-condicionado aperta demais, Oceya comete uma licença nada poética. Dribla a segurança, aconchega-se em um trocador de bebês do banheiro feminino e dorme ali mesmo. Só sai do aeroporto para buscar doações. Muitas vezes atravessa o famoso bambuzal do aeroporto e vai atrás de mantimentos em bairros vizinhos. "Tenho um grupo de amigos e conhecidos que me ajudam. São colegas professores, feirantes que doam alimentos e até um vereador que me ampara. Sobrevivo graças a eles", diz ela.


Parada forçada

Ela pousou no terminal aeroviário em janeiro, quando não teve mais condições de pagar aluguel. Oceya já havia passado outras temporadas no aeroporto e até na rodoviária da capital baiana. Quando consegue um dinheiro extra de doação ou um quartinho qualquer emprestado, sai das ruas por um tempo. Mas esses são tempos diferentes. Nunca ficou por um período tão longo sem ter um teto como agora, na pandemia. Teve covid-19 em maio de 2020. Chegou a ser internada, necessitou de aporte de oxigênio, mas não foi intubada. Recebeu ajuda de custo de um projeto chamado Pós Covid, que lhe deu a possibilidade de alugar um quarto por uns meses. O que teria levado Oceya a essa condição, após um passado cheio de adjetivos? O primeiro e mais importante motivo para sua vida ter virado do avesso foi um sério problema de saúde. Oceya teria sido diagnosticada com fibromialgia, síndrome caracterizada principalmente por dores crônicas e generalizadas pelo corpo. Foi a fibromialgia que a afastou das atividades no colégio Thales de Azevedo. Em dado momento, sua solicitação de aposentadoria à secretaria de Educação do Estado da Bahia não teria sido aceita. Oceya cita uma série de funcionários da própria escola e da secretaria que a teriam perseguido.

"Eu me aposentei, morri ou continuo ativa? Só queria saber isso. Por que já me tiraram da folha?", questiona. Solteira, sem filhos, começou a viver da ajuda de irmãos e colegas. A mãe morreu quando ela ainda era bebê. O pai morreu no início da pandemia. "Meus irmãos ficam com o dinheiro da pensão e pararam de me ajudar. Você sabe como é família, né?". A rua foi sua única saída. Não consegue trabalhar em cursos ou escolas particulares por causa da doença.


Oceya garante que já tentou Justiça e Ministério Público para resolver o imbróglio com a secretaria de Educação, a que ainda estaria ligada. Tanto que, diz ela, não consegue pegar empréstimo porque ainda seria servidora. Da mesma forma, durante a pandemia não conseguiu ter acesso ao auxílio emergencial. "Como vão me dar auxílio se eu consto como funcionária pública?"

Fonte: Alexandre Lyrio



 

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